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segunda-feira, maio 23, 2011

Fé em vida após a morte pode ajudar a superar tragédia. Acreditar na possibilidade de rever entes queridos após a morte auxilia a reagir melhor a perdas e tragédias ao longo da vida

Danielle Nordi, iG São Paulo

As pessoas que têm profunda religiosidade se dão melhor em situações críticas. A afirmação é da psicóloga clínica e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Denise Gimenez Ramos. Esperança e otimismo estão ligados diretamente a acreditar num reencontro pós-morte ou mesmo em uma recompensa em outro plano. Os que creem em algo dirigem suas vidas com mais tranqüilidade e bem-estar, de acordo com a psicóloga.
Segundo Denise, quando o ser humano vivencia uma experiência mais grave, precisa buscar algum significado. E quem consegue encontrá-lo vive melhor. “A religiosidade dá muito apoio em situações difíceis, mas não está presente em nossas vidas para nos tornar seres passivos, que não lutam para mudar os cenários desfavoráveis”, ensina.
É preciso esclarecer que o fato de acreditar que a separação entre quem morreu e os que vivem é momentânea não deve impedir a pessoa de viver o luto. A psicóloga clínica Daniela Mafra de Oliveira explica que essa vivência consiste, entre outras coisas, em chorar e ter momentos de revolta, desespero e questionamentos. “Ser religioso ou ter uma crença não vai fazer o sofrimento sumir. O que acontece é que a dor poderá ser abreviada e a pessoa se sentir confortada diante das explicações que encontra nos ensinamentos da sua religião.”
Daniela explica que esse período de luto é extremamente necessário. Sofrer faz parte de um processo de cura. “Quem se permite sentir a dor da perda ou da fatalidade tende a conseguir retomar sua vida. Aqueles que se recusam a fazê-lo, ou se enchem de atividades para não ter tempo de pensar no que aconteceu, podem ter que lidar com isso, de maneira mais intensa, no futuro. É o famoso ‘cair a ficha’.”
Existem pessoas que atribuem tudo que acontece a um ser supremo. Essa postura demonstra uma falta de discernimento. Daniela insiste na necessidade de fazer todos entenderem que todos precisam agir e ter iniciativa diante dos acontecimentos. “A pessoa que dá a Deus ou a outro ser supremo a função de realizar tarefas que deveriam ser suas, colocam-se numa posição de extrema acomodação diante da vida.”
O iG reuniu histórias de quatro pessoas que sofreram perdas ou passaram por momentos críticos. A certeza de que a separação de seus entes queridos é apenas momentânea ajudou a todos a retomarem suas rotinas. Conheça suas histórias.
Conheça as histórias

Mãe busca conforto em nova
religião após morte do filho
"Tinha um marido maravilhoso e dois filhos ótimos. De repente, veio a doença e tudo desmorou", conta Adélia
A mãe de Reinaldo, Adélia Santina Reginato Tozarini, costureira aposentada de 71 anos, lembra que entre a descoberta da doença e a morte do filho foram apenas oito meses. “Naquela época, há mais de duas décadas, não havia tratamentos avançados e pudemos fazer muito pouco ou quase nada para ajudá-lo.” Reinaldo morreu de câncer no fígado, aos 22 anos.
Adélia conta que seu filho sempre foi interessado pelos ensinamentos espíritas, mas que ela nunca tinha pensado em conhecer a crença. “Para ele, a vida não acaba aqui, tem algo além. Mas, naquele momento, minha rotina era tão boa que eu estava acomodada. Tinha um marido maravilhoso e dois filhos ótimos. De repente veio a doença e tudo desmorou.”
Em busca de respostas: A morte do filho foi um momento decisivo para Adélia. Ela procurou um centro espírita atrás de respostas para tamanho sofrimento. Não conseguia entender por que Reinaldo tinha ficado doente tão jovem. “Como tanta gente que perde um filho, eu queria trocar de lugar. Já tinha vivido 49 anos e ele estava no começo de tudo. Esse pensamento estava acabando comigo”, confessa.
Quando começou a estudar os ensinamentos espíritas, o objetivo era achar conforto. “Acreditar que vamos nos encontrar me deu esperança e abreviou meu sofrimento. Eu aprendi que uns vão mais cedo que outros, e agora aceito melhor a morte”, explica.
Adélia não acha que esse conforto possa ser confundido com resignação. Ela afirma que a doutrina ensina que é necessário cuidar da alma e do corpo também. “A minha crença não me faz ficar acomodada diante dos acontecimentos da vida. Temos que agir e tomar nossas decisões. Eu apenas compreendo melhor e aceito melhor minhas dores hoje do que no passado.”

“Minha filha chegou a pesar 330g”
Psicóloga teve gêmeas prematuras e passou mais de oito meses na UTI do hospital, onde estavam internadas
As gêmeas Manuela e Valentina, hoje com um ano e sete meses, nasceram prematuras, aos cinco meses. A mãe delas, a psicóloga Deise Helena de Simoni, 40, teve uma complicação rara durante a gravidez, chamada Síndrome Hellp – condição que pode levar a insuficiência cardíaca e pulmonar, hemorragia interna, acidente vascular cerebral e outras complicações graves na mãe. No caso de Deise, ela apresentava pressão alta, inchaço no fígado, rins parando de funcionar e plaquetas caindo.
Diante do quadro, a equipe médica resolveu fazer o parto das crianças para que a psicóloga tivesse chance de sobreviver. “O médico, que é um amigo muito querido, me disse que minhas filhas não iriam sobreviver. Eu tinha certeza absoluta de que ele estava errado”, enfatiza.
Manuela nasceu com 705g e chegou a pesar 560g. Valentina pesava 410g quando nasceu, e viu seu peso diminuir a 330g. A primeira passou quatro meses na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) da maternidade, e a segunda mais de oito meses. Como uma mãe consegue superar isso? “Com muita fé e sabendo que nada acontece por acaso”, afirma Deise.
Foto: Arquivo pessoal
Gabriela depois de ter vencido a anorexia
Ensinamento após anorexia
“Eu já tinha passado pela sensação de ver um filho morrendo na sua frente. Minha filha mais velha, Gabriela, sofreu de anorexia quando tinha 15 anos”, revela a psicóloga. “Sou espírita e acredito que tudo que acontece conosco serve para podermos evoluir. Mas ,apesar da minha crença, o meu desespero era tanto que cheguei a falar para minha filha que eu aceitaria se ela decidisse morrer. Não aguentava mais vê-la naquele estado. Só quem passa, pode julgar.”
A preocupação maior de Deise piorar o quadro da filha caso a pressionasse para comer mais. Ela tentou fazer com que a menina frequentasse um psicólogo, mas não teve sucesso. Desesperada e sentindo-se impotente, ela buscou apoio na espiritualidade. A psicóloga conta que precisou se apegar ao pensamento de que iria reencontrá-la no futuro. “Isso me fez sofrer um pouco menos”, diz.
Aos poucos, ela conseguiu que a menina voltassse a se alimentar. “Acredito que Deus cuida de todas as coisas, mas a gente tem que lutar até o fim. Como fiz com minhas três filhas. Apesar de acreditar que, se elas viessem a falecer, eu estaria junto delas em breve.”
Fé: Quando Gabriela estava com mais de 16 anos, Deise resolveu engravidar novamente. “Vieram gêmeas! Como confio muito em Deus, jamais duvidei que ele me mandou as meninas para que elas aproveitassem essa vida. Eu e meu marido sabíamos que, se lutássemos, juntamente com os médicos, elas iriam ficar bem”, afirma.
Durante os oito meses em que a Valentina ficou na UTI – Manuela deixou o local quatro meses após seu nascimento – Deise enfrentou a difícil rotina acreditando na sobrevivência das filhas.
“Eu sempre rezei pedindo que elas vivessem para que eu pudesse conviver com minhas três filhas até envelhecer. Mas, se isso não fosse possível, acreditar na vida após a morte me confortava muito. Não sei se teria aguentado tudo que tive que passar se não tivesse essa convicção”, comenta.

Foto: Arquivo pessoal
Gêmeas dormem tranquilas depois de um começo de vida atribulado

 “Nos sentimos casados no
 dia em que nos conhecemos”
A busca pela religiosidade veio depois da morte do marido. Aceitar o fato e continuar a viver pareciam metas impossíveis

“A gente se conheceu em 1979 e ele morreu em 1999. Ficamos casados por 20 anos. Foi amor à primeira vista. Acreditávamos, desde o primeiro dia, que íamos envelhecer juntos”, conta a assistente administrativa Neide Denker, 48. Ela conta que, apesar de terem passado por uma cerimônia oficial, a identificação era tanta que nem houve pedido de casamento. "Casamos no dia em que nos conhecemos. Era como a gente se sentia. Éramos almas gêmeas".
O marido de Neide morreu há 12 anos, deixando-a com um casal de filhos para terminar de criar. “Eu sabia que precisava superar a morte dele porque tinha as crianças. Sempre digo que a minha religião as criou. Sem ela, não teria tido forças”, acredita.
Com a viuvez, Neide buscou explicações para que algo tão terrível tivesse acontecido com sua família. Uma amiga a levou a um centro de candomblé, e lá sua dor começou a ser minimizada, segundo a assistente administrativa.
A vida não parou: “A minha nova crença me deu a certeza de que vou reencontrá-lo depois que eu partir. Não duvido disso nem por um segundo da minha vida. Recebi recados que me fazem ter convicção absoluta de que ele está numa vida pós-morte”, diz.
Durante muito tempo, Neide não conseguia mais se relacionar com ninguém por medo de magoar o marido. “Até o dia em que recebi uma mensagem dele que pedia para seguir com minha vida e ser feliz. Foi o que eu fiz. Conheci outra pessoa e tivemos um relacionamento longo, de cinco anos.”
A crença que tem hoje, depois de buscar ajuda na religião, fez Neide lidar melhor com a perda. Ela confessa que o medo de que pessoas queridas morram existe sempre. “Mas sei que tem uma vontade maior e que a gente passa para outro plano para evoluirmos. A saudade de quem se vai nunca acaba. O que acontece é que, com o tempo, você se acostuma com a situação.”
Perda do pai gera certezas e dúvidas
Com a perda do pai, Pedro teve questionamentos, mas sua fé ainda o conforta

Há quatro anos, o professor de música Pedro Lopes, 23, perdeu o pai, que era um fumante compulsivo, em decorrência de um câncer no pulmão. Quando os médicos descobriram o tumor, em um exame de rotina, ele já estava grande e havia pouco a ser feito. Decidiram operar para retirá-lo. A cirurgia foi um sucesso e familiares ficaram aliviados. No pós-operatório, no entanto, o pai do professor de música não conseguiu reagir a uma infecção e morreu.
A família toda sempre foi católica praticante. Pedro passou a frequentar regularmente a igreja por volta de seus 13 anos. O pai era o mais religioso de todos. “Eu vou rever meu pai, no Céu. Sei disso.” Pedro acredita que o corpo morreu, mas que a alma do pai jamais vai deixar de existir. “Pensar que passamos por tantas dificuldades e tragédias durante nossa vida para que tudo simplesmente acabe depois da morte não faz sentido para mim.”
Dúvida e indagações: “Creio 100% que meu pai me acompanha em minha vida e continua vendo tudo que acontece conosco. Sei que a morte não é o final”, afirma. Apesar da convicção, ele admite que não é nada fácil encarar a morte quando ela acontece tão próxima.
Pedro passou por um período de muitas dúvidas e indagações. Apesar de sua crença de que Deus faz o melhor para todos os seres humanos, ele ainda busca o motivo da morte de seu ente querido. “Compreendo que houve uma razão, mas ela não me foi esclarecida. Às vezes penso que meu pai morreu tão repentinamente para que seu sofrimento não fosse prolongado. Mas será? Tenho consciência que foi a vontade de Deus, só que é inevitável você querer entender e buscar razão para isto”, completa.
Ter a convicção de que vai reencontrar o pai quando for o momento certo confortou Pedro após a tragédia. Ele confessa que o sofrimento esteve e ainda está presente em sua vida, mas a fé que possui o ajuda a administrar a saudade. “A gente não aceita a vontade de Deus de braços cruzados. É claro que existe dor. Acredito ser inevitável, mas a esperança do reencontro com quem se vai é fundamental para continuar a viver”, diz Pedro

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