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domingo, julho 31, 2011

ENTREVISTA NOTA 1000: Educação para acabar com a violência

Detentas aprovam medida que permite descontar estudo da pena. 'Muitas que não sabiam escrever já sabem assinar o nome', diz presa. G1 visitou Penitenciária Feminina do Butantã, em São Paulo. O CORREIO JURUNENSE aprovou a medida e adianta que o Pará deverá estar adotando essa medida para ocupar a mente dos detentos e devolvê-lo à sociedade.

Maria Angélica Oliveira
Do G1, em São Paulo

Luciene está no ensino fundamental, faz curso de
maquiagem e informática, frequenta o coral
e aulas de ensino bíblico (Foto: Flávio Moraes/G1)
A medida que permite descontar horas de estudo da pena aplicada em detentos fez crescer o interesse das presas pela escola na Penitenciária Feminina do Butantã, em São Paulo. Professores e alunas afirmam que a mudança na legislação levou mais incentivo para as salas de aula.
“Meu objetivo era aprender, terminar meus estudos. Depois fiquei sabendo que ia me ajudar muito pela remição de pena. (...) Com certeza é um estímulo. Muitas daquelas que não pensavam em estudar voltaram a estudar. E, depois que voltaram a estudar, não só levaram para o lado de remição, mas para o aprendizado mesmo. Muitas que não sabiam escrever já sabem assinar seu próprio nome”, opina Luciene de Siqueira, de 27 anos, aluna do ensino fundamental.
O desconto na pena está previsto numa alteração na Lei de Execução Penal publicada no fim do mês de junho no Diário Oficial da União. A medida autoriza detentos que frequentam a escola a abater o tempo de estudo da pena a qual foi condenado. Cada dia de condenação poderá ser trocado por 12 horas de frequência escolar.
Cerca de 600 detentas convivem na penitenciária, que é de regime semiaberto, onde as internas podem trabalhar fora e voltam à noite para dormir. Do total, 53 estudam atualmente. Elas estão distribuídas em três turmas: alfabetização, ensino fundamental e ensino médio.
“Antes, elas diziam ‘posso estudar?’ Agora elas vêm e dizem ‘quero estudar, mas vou ter remição?’ Às vezes, [a detenta] não tinha interesse antes [pelo estudo], mas começa a estudar e gosta”, conta a coordenadora do setor de Educação da penitenciária, Andrea de Paula Felipe.
O professor Agostinho Fernandes diz que é preciso
política de governo para acolher mão de obra
formada em presídios (Foto: Flávio Moraes/G1)
A possibilidade de remição de pena tem um significado especial na unidade. Andrea explica que, por se tratar de uma penitenciária de regime semiaberto, a ansiedade pela liberdade é grande. Segundo ela, o maior desafio dos professores é lidar com isso para inovar nas aulas e manter a atenção das alunas.

'Uma semana a menos'
Sentada na primeira carteira na turma do ensino médio, Regina Maura da Silva Domingues, de 41 anos, era uma das que mais interagiam na aula. Ela estuda desde 2008, logo que começou a cumprir a pena por tráfico, fez teatro em outra unidade prisional onde ficou presa no início e já trabalhou.
Agora, espera que o tempo dedicado aos estudos antes de a lei entrar em vigor possa ser aproveitado para reduzir o tempo na cadeia. A legislação foi publicada no dia 20 de julho.
“Até então não obtive minhas remissões. Espero que [obtenha] sim, seria o correto. É também um incentivo para estar estudando. (...) Um dia a menos que a gente ganhe, uma semana aqui é uma semana a menos dentro desse lugar”, diz.
Ela começou a cumprir pena em 2008 por tráfico de drogas. Conta que estava desempregada havia anos, aceitou uma proposta por "desespero" e acabou presa. A sentença, de 4 anos e 10 meses, acabou sendo aumentada depois para 5 anos e 8 meses.
Regina estuda desde 2008 e fez até aulas de teatro
em outra penitenciária (Foto: Flávio Moraes/G1)
"O benefício é só a partir de março do ano que vem. Mas para Deus nada é impossível, e eu creio que possa ir embora antes. Aí vou para o regime aberto. Minha família está em São Paulo. Tenho dois filhos e meu netinho tem seis anos. Também [estudo] por eles, até para incentivar. Minha filha está desanimada, esperando, porque quando eu vim presa ela tinha 15 anos. Se eu estou presa estou estudando, procurando uma melhora, eles também têm que ter um incentivo e força", diz.
Aula de maquiagem e coral
Segundo a coordenação de ensino da penitenciária, há vagas para qualquer presa que queira estudar. As detentas passam por uma entrevista para definir o nível de conhecimento e a melhor turma para cada uma. As aulas acontecem de segunda a sexta à tarde, das 15h às 17h, ou à noite, das 18h às 20h. Também há cursos profissionalizantes – que valem para a remição de pena.
Além de estudar, a detenta Luciene tenta se ocupar ao máximo: frequenta cursos de informática, de maquiagem, faz um curso bíblico e integra o coral da penitenciária.
“Não sabia o que seria da vida e vou sair como maquiadora. Vou procurar fazer mais cursos para me aprimorar no que eu gosto de fazer porque descobri que gosto de maquiar, gosto de ver as pessoas bonitas. Então, pretendo investir”, diz. Presa desde 2007 por tráfico de drogas, ela espera deixar a cadeia no fim do ano e recomeçar a vida com o marido em Roraima.
Dentro da sala de aula
O G1 visitou a penitenciária na tarde de segunda-feira (25) e observou um clima comum de escola: salas de aula com carteiras, uma lousa, a mesa do professor, alunas participativas, alunas mais quietas, cadernos à mão, um certo clima descontraído e espaço para brincadeiras e risadas durante a discussão do conteúdo.
Para a detenta Regina, mesmo sendo dentro da unidade prisional, a aula ajuda a sentir um pouco do gosto da liberdade tão aguardada.
“Aqui na escola é o momento em que a gente consegue sair de dentro do sistema, da cadeia, se transpor para uma sala de aula normal. A gente fica livre. É o momento em que a gente menos pensa em cadeia. Então, é muito bom estudar, satisfaz bastante. A gente esquece um pouco que está aqui dentro”, diz Regina.
 O professor Agostinho Mariano Fernandes, que leciona no sistema prisional há 12 anos, diz que a lei levou “sorriso” para as presas, mas faz um alerta para a sociedade e os governantes.
“É um avanço por ter virado lei, e elas conseguem entender: ‘agora vale a pena ir para a escola’. O preso precisa disso, de uma lei para poder garantir certas coisas, para ele acreditar. [Mas] É importante que a sociedade consiga entender que, uma vez que a pessoa sair da prisão, deve acolher. Porque não adianta ter um certificado e as pessoas fecharem as portas para o trabalho. (...) Políticas públicas precisam ser criadas para absorver essa mão de obra. Você forma a pessoa aqui dentro através do estudo e a hora que ela sai precisa ter a oportunidade de mostrar o que sabe e o que aprendeu”, analisa.
Na sala de aula e na cela, Regina sonha com um curso de turismo ou jornalismo. “Meu objetivo com estudo é reaprender o que eu não pude aprender direito, me ressocializar no mundo para ter uma expectativa de vida melhor, para a gente conseguir se colocar de volta na sociedade, ter oportunidades e ser aceita não como ex-presidiária, mas como uma pessoa comum.”

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