Bacharel em direito, o delegado geral da Polícia Civil Nilton Atayde, de 54 anos, está há quase 20 anos engajado no corpo de polícia do Estado: já foi corregedor da Polícia, delegado geral adjunto, diretor de Polícia Metropolitana, diretor da Delegacia de Meio Ambiente e diretor da Delegacia de Entorpecentes. Na última quinta, ele apresentou o Núcleo de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro. A unidade da Polícia Civil tem como objetivo reforçar o combate a crimes de ocultação de bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de ações criminosas. Atayde falou ao DIÁRIO em entrevista cedida aos repórteres Ismael Machado, Veríssia Nunes e Aline Brelaz:
P: Por que a segurança pública do Estado viu a necessidade de criar um núcleo de combate à lavagem de dinheiro?
R: A nível de Brasil, nós temos alguns estados que já têm e estão trabalhando com esses núcleos. Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a Bahia são alguns desses que já implementaram o projeto. Então, se fazia necessário que nós tivéssemos algo assim para o Estado também. E com isso houve um alerta de todas as polícias para começarem a firmar um convênio para a aquisição de um laboratório de lavagem de dinheiro.
E isso me chamou atenção. Ao chegar ao Pará, reuni com o governo e comecei a tratar sobre o assunto. Logo em seguida, procurei a assessoria de planejamento para elaborar um projeto e encaminhar para a Senasp [Secretaria Nacional de Segurança Pública], pois é uma situação que presenciamos aqui também e que precisa começar a ser investigada. Nesse primeiro momento, nós criamos um núcleo composto por alguns policiais que vão trabalhar justamente buscando a investigação no que se refere a lavagem de dinheiro e corrupção.
P: O que seria um laboratório de lavagem de dinheiro?
R: É uma tecnologia que propicia a polícia a fazer investigações especialmente no âmbito patrimonial, cruzando dados com vários órgãos do Estado. Esse laboratório funciona com esta tecnologia justamente para conseguir captar mais informações sobre aquilo que está sendo investigado. Aqui nós ainda não temos um desses, mas temos um núcleo que vai trabalhar o combate à lavagem de dinheiro e à corrupção. Aqui ele é chamado de Sisp, Sistema Integrado de Segurança Pública, que nos possibilita inclusive trabalhar em cima dessas investigações com policiais especializados.
P: Esses policiais já têm um treinamento especial ou não é necessário?
R: Já têm um treinamento específico. Por duas vezes eles foram ao Rio de Janeiro fazer um treinamento e uma verificação in loco no laboratório da cidade. São profissionais pós-graduados como mestres e doutores competentes nas suas respectivas áreas. São pessoas que têm domínio muito bom nessa área tecnológica para trabalhar em cima desse tipo de crime.
P: Há mesmo necessidade de se criar esse núcleo no Pará?
R: Sim. Com a criação desse núcleo, além das investigações feitas sobre os suspeitos, a prisão dos mesmos vai ser fundamentada, subsidiando a Justiça e demonstrando que o patrimônio do individuo é consequência da sua primeira ação ilícita, que é a forma que conseguiu o dinheiro, seja através do tráfico de drogas ou de qualquer outro modo.
P: Como será feito para se identificar o verdadeiro culpado e separá-lo dos famosos “laranjas”?
R: O núcleo vai buscar o “laranja” se perguntando da seguinte forma: como é que uma pessoa simples pode ter tanto dinheiro? A conclusão que se chega é que então ele foi usado por alguém, um corrupto, que usou aquele cidadão para se desvincular da situação, e no entanto é o mandante, o verdadeiro criminoso. Então, o objetivo é trabalhar em busca dos verdadeiros culpados, e para isso já foi assinado um convênio para que tenhamos acesso ao Coaf, Conselho de Operações e Aplicações Financeiras, que foi criado pelo Ministério da Fazenda, e com o qual nós passaremos a ter apoio de informações necessárias que serão disponibilizadas para as investigações que estivermos trabalhando. Então, a situação vai muito além do que se pode imaginar de uma simples investigação, porque será feito o acompanhamento detalhado da vida dessa pessoa no que se refere ao desenvolvimento patrimonial das pessoas que o rodeiam, os famosos “laranjas”.
P: Esse tipo de serviço não é atribuição da Polícia Federal?
R: Não. A Polícia Federal trabalha em situações em que a União é a prejudicada. A Polícia Estadual atua em todos os casos em que o Estado seja o interessado. Como exemplo, no caso de um crime estadual que não implique em nenhum órgão federal, a PF não tem porque entrar. Agora, no caso do serviço que é oferecido pelo Ministério da Fazenda, não quer dizer que apenas a PF tenha que trabalhar com eles, até porque é um órgão público que deve satisfação para toda a comunidade de um modo geral. E o que existe entre nós é um convênio, pois, na medida em que precisarmos de alguma informação, ela vai ser disponibilizada.
P: Quais seriam os outros parceiros?
R: Alguns órgãos já têm se interessado em saber do funcionamento do núcleo. A Ordem dos Advogados do Brasil no Pará já se mostrou interessada em conhecer o seu funcionamento. Mas, ao longo do tempo, outros órgãos como o Ministério Público Estadual e Federal também deverão participar.
P: Qual seria a forma mais comum de lavagem de dinheiro? Existe um padrão?
R: A lavagem de dinheiro ocorre de vários modos. Na maioria das vezes inicia através do tráfico de drogas, porque funciona da seguinte forma: essa primeira modalidade criminosa ilícita vai fundamentar uma outra forma de atividade que aparentemente vai ser legal. E é isso que se caracteriza como lavagem de dinheiro.
P: Mas como faz para lavar esse dinheiro?
R: Você pode pegar o dinheiro que foi adquirido de forma ilícita e aplicar em imóveis, ações financeiras ou montar empresas para que, justamente, o dinheiro que você ganha ilegalmente aqui mais na frente possa ser justificado através da empresa ou atividade na qual foi investido. Ou seja, o dinheiro que entra sujo no final sai lavado.
P: Qual o objetivo do núcleo?
R: É aprimorar a investigação que é de interesse do Estado, pois é possível ter o retorno financeiro em relação a toda essa lavagem de dinheiro, após a atividade investigativa ser concluída.
P: E como é o apoio do governo do Estado para o projeto?
R: É total e absoluto. Inclusive da Secretaria de Segurança Pública. E nós não temos apenas o apoio, mas os investimentos também. Essa é uma iniciativa na qual eu, como delegado geral, não poderia tomar decisão se não tivesse o apoio do governo. É um grande projeto que vai trazer melhorias para o combate ao crime organizado no Estado.
P: Tem alguma verba específica?
R: Nesse primeiro momento, não precisamos desse dinheiro. O que nós vamos precisar é de uma tecnologia, o que nós já estamos providenciando. O que é realmente necessário são pessoas qualificadas e isso nós já temos. Trabalhamos com cinco pessoas, mas pretendemos ampliar o núcleo para uma delegacia especializada ou até mesmo numa divisão, na qual algumas delegacias sejam criadas e possam utilizar desse serviço mais específico.
P: É um grande desafio tirar da cabeça da população que as pessoas do “colarinho branco” nunca são presas?
R: Nós temos presenciado casos, não só a nível nacional, mas no Pará, que têm ocorrido de pessoas de cargos altos estarem respondendo a processos. Outras já estão presas. Aqui temos situações envolvendo pessoas poderosas, inclusive financeiramente. Vejo essa movimentação como uma evolução da própria sociedade, de querer isso e pedir uma solução. E nós já não temos mais condições de manter essa “caixa preta” escondida da sociedade, principalmente quando se trata de um órgão público. E nós, a polícia, temos todo interesse de mudar essa cara de que o Brasil é o país da impunidade e de que o “colarinho branco” nunca vai ser preso, pois muita gente já foi presa e está pagando pelos seus crimes.
Fonte e Reprodução do Diário do Pará On Line
Parabéns pela matéria com o odelegado Geral
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