Morreu às 14h52 desta sexta-feira (23), aos 80 anos, o
humorista Chico Anysio. Segundo nota divulgada pelo Hospital Samaritano, na
Zona Sul do Rio, onde ele estava internado havia três meses, o humorista morreu
após uma parada cardiorrespiratória, causada por falência múltipla dos órgãos,
decorrente de choque séptico causado por infecção pulmonar. Ao longo de seus 65
anos de carreira, o cearense Chico Anysio criou mais de 200 personagens e foi
um dos maiores humoristas do Brasil com destaque no rádio, na TV, no cinema e
no teatro (abaixo, nesta reportagem, relembre sua trajetória). Ele deixa oito
filhos e completaria 81 anos no dia 12 de abril.
O corpo de Chico Anysio será velado no Theatro Municial, no
Centro do Rio. O velório será aberto ao público a partir das 12h. No domingo
(24), ele será cremado no Cemitério do Caju, na Zona Portuária. O horário da
cerimônia ainda não foi definido. O governador do estado do Ceará, Cid Gomes,
decretou luto oficial no Estado, por 3 dias, por causa da morte do humorista Chico
Anysio.
Anysio apresentou uma piora nas funções respiratórias e
renal na quarta-feira (21) e voltou a respirar com ajuda de aparelhos durante
todo o dia. Ele estava no CTI do hospital carioca desde 22 de dezembro do ano
passado por conta de um sangramento. O comediante chegou a ter o problema
controlado, mas apresentou uma infecção pulmonar e retornou à internação. Ele
seguia em sessões de fisioterapia respiratória e motora diariamente, somadas a
antibióticos.
O ator também foi submetido a uma laparotomia exploradora,
procedimento cirúrgico que serve para revelar um diagnóstico. Essa cirurgia fez
com que Chico Anysio tivesse um segmento de seu intestino delgado retirado.
No final de 2010, ele foi levado ao mesmo hospital com falta
de ar. Após uma obstrução da artéria coronariana ser encontrada, passou por uma
angioplastia, procedimento para desobstrução de artérias. Após 110 dias, teve
alta em março do ano passado.
Com fortes dores nas costas, o humorista foi novamente
internado em novembro. Ficou no hospital durante cinco dias, para receber
medicação intravenosa devido a problema antigo nas vértebras que provocava dor.
No fim de novembro, teve febre e os médicos descobriram uma contaminação por
fungos, tratada com antibióticos. No começo de dezembro, retornou ao hospital
com infecção urinária e ficou internado por 22 dias. Um dia depois, voltou ao
Hospital Samaritano.
Nos momentos mais críticos, quando esteve no hospital entre
dezembro de 2010 e março de 2011, Chico necessitou da ajuda de aparelhos para
respirar e se comunicava com médicos e familiares por meio de mímica. Durante o
período pós-operatório, houve o diagnóstico de um tamponamento cardíaco, que
acontece quando o sangue se acumula entre as membranas que envolvem o coração
(pericárdio).
Durante o período de internação, que alternou momentos no
CTI e em unidades intermediárias, Chico Anysio apresentou quadros de pneumonia
e passou por sucessivas broncoscopias. As infecções foram tratadas com uso de
antibióticos.
Antes, em agosto de 2010, o humorista precisou ser internado
para a retirada de parte do intestino grosso após ser constatado um quadro de
hemorragia no aparelho digestivo. Em maio de 2009, outra pneumonia o levou ao
hospital.
Rádio e TV
Foi na Rádio Guanabara, ainda nos anos 50, que os seus tipos
cômicos começaram a surgir. Até o “talento para imitar vozes”, como o proprio
Chico descreveria em seu site, evoluir para a televisão. A estreia aconteceu em
1957, na extinta TV Rio, no programa “Aí vem dona Isaura”. Foi lá que o
Professor Raimundo teve sua primeira aparição no vídeo, como o tio da
protagonista que vinha do Nordeste — até então o programa só havia sido
veiculado pelo rádio.
“Até tinha uma coisa de sentar para criar, mas uns nasceram
pela voz, outros pelo tipo, pela personalidade, pela caracterização. Sempre fiz
questão de que eles fossem encontrados sem que eu estivesse presente. Que
alguém dissesse: "'Na minha terra, tem um Pantaleão. No Rio tem muito
Azambuja’”, explicou o humorista ao “Estado de S. Paulo”, em 2009.
Num tempo em que ainda não existiam contratos de
exclusividade, Chico pôde fazer participações especiais em programas de outras
emissoras e em chanchadas da Atlântida.
O “Chico Anysio Show”, seu primeiro programa de humor, foi
lançado no início da década de 60. Foi ao ar pela TV Rio, depois pela Excelsior
e em 1982 voltou a ser exibido pela Rede Globo — onde o humorista já trabalhava
desde 1969.
Mas foi na Globo que teve seus programas humorísticos de
maior sucesso e onde desenvolveu a maioria de seus personagens. Entre as
atrações, destaque para “Chico city” (1973-1980), “Chico total” (1981 e 1996) e
“Chico Anysio show” (1982-1990) e "Escolinha do professor Raimundo".
Alguns desses personagens quase que se misturam à história
da televisão brasileira, como o ator canastrão Alberto Roberto, o pão-duro
Gastão Franco, o coronel Pantaleão, o pai-de-santo Véio Zuza, o velhinho
ranzinza Popó, o alcoólatra Tavares e sua mulher Biscoito (Zezé Macedo) e o
revoltado Jovem.
Com o passar dos anos, novos tipos eram criados e incorporados
ao programa: o funcionário da TV Globo Bozó, que tentava impressionar as
mulheres por conta de sua condição; o mulherengo e bonachão Nazareno, sempre de
olho nas serviçais; o político corrupto Justo Veríssimo; e o pai de santo
baiano e preguiçoso Painho são alguns dos mais populares.
Apresentada como quadro em outros programas desde a década
de 1980, a “Escolinha do Professor Raimundo” tornou-se uma atração independente
em 1990. No ar até 2002, o humorístico lançou toda uma geração de comediantes. Entre
os “alunos” revelados pelo “professor Chico” estão Claudia Rodrigues, Tom
Cavalcante e Claudia Gimenez.
Chico também atuou em novelas e especiais da Globo, como “Pé
na jaca” (2007), “Sinhá Moça” (2006), “Guerra e paz” (2008) e “A diarista”
(2004). Chico Anysio também teve um quadro fixo no Fantástico por 17 anos (de
1974 a 1991), e supervisionou a criação no programa “Os Trapalhões” no início
dos anos 90.
Cinema
A incursão mais recente de Chico Anysio no cinema foi como
dublador. É dele a voz do protagonista da animação “Up - Altas aventuras",
animação do estúdio Pixar. Antes disso, o humorista fez uma participação
especial no recordista de bilheteria “Se eu fosse você 2” (2008), de Daniel
Filho. “Nos créditos finais fiz questão de colocar ‘senhor Francisco Anysio’.
Ele é um astro, merece ser tratado com toda reverência”, explicou o diretor em
entrevista aoG1 durante o lançamento do longa.
Em 1996, o humorista interpretou o personagem Zé Esteves,
pai da personagem-título, em “Tieta”, de Cacá Diegues. O trabalho coincidiu com
o aniversário de 25 anos da estréia de Chicono cinema, na pornochanchada
"O doce esporte do sexo". Antes havia participado de comédias como
"Mulheres à vista" e "Cacareco vem aí".
Em 2011, em sua última aparição pública, recebeu o prêmio
especial do Júri do Festival do Rio pelo seu desempenho no longa “A hora e a
vez de Augusto Matraga”, do diretor Vinícius Coimbra.
"O filme é importantíssimo, a obra é linda. Vinícius
realizou algo quase inacreditável. É um filme que, tenho certeza, Sergio Leone
assinaria com alegria", destacou o bem humorado Chico, que fez questão de
receber o Troféu Redentor pessoalmente, mesmo de cadeira de rodas.
Literatura e artes plásticas
Além de se dedicar ao humor, Chico também foi artista
plástico. Apaixonado pela pintura, retratou paisagens ao redor do mundo a
partir de fotografias que tirava dos países que visitava. Realizou exposições
de seus quadros em diversas galerias do Brasil e chegou a afirmar que gostaria
de ter dedicado mais tempo à atividade.
“Porque teria tido mais tempo para aprender, para melhorar.
Teria mais tempo para me tornar conhecido e aceito, para vender meus quadros
por um preço melhor. Cheguei a admitir que a pintura seria meu emprego da
velhice, mas não vai ser, porque ninguém está comprando nada de obra de arte, e
pintar para guardar é terrível”, disse em entrevista à “Folha de S. Paulo”, em
2007. Foi autor de 21 livros, tendo publicado vários best-sellers na década de
70, como "O Batizado da vaca", "O telefone amarelo" e
"O enterro do anão". Sua última publicação foi “O canalha”, lançada
em 2000.
“É a história do cara que participou de todos os governos,
desde Eurico Gaspar Dutra até o primeiro mandato de Fernando Henrique. Foi ele
o responsável por todas as canalhices que ocorreram de lá para cá, como dar um
revólver de presente a Getúlio Vargas”, explicaria o escritor Chico Anysio em
entrevista à revista “Época”, no mesmo ano.
Outra de suas obras de destaque na literatura é o bem
humorado manual “Como segurar seu casamento”, também de 2000. Na época,
advertiu os leitores: “Não dou conselhos, transmito os erros que cometi e foram
cometidos em cinco casamentos. Conviver é a arte de conceder. Essa troca de
concessões gera a convivência harmônica”, comentou.
Carreira esportiva
Caçula de oito irmãos, Francisco Anysio de Oliveira Paula
Filho nasceu no dia 12 de abril de 1931, no município de Maranguape, no Ceará.
A cidade constantemente era citada de forma saudosa pelo humorista – seu
personagem mais popular, o Professor Raymundo, era de lá.
“Maranguape, cidade de que tanto falo, representa uma grande
saudade. Foi um pequeno paraíso, o Éden da minha infância durante gloriosos
anos. Foi lá que aprendi a ler sozinho”, escreveu o humorista em seu site
oficial.
Aos 7 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, após a falência
da empresa de ônibus da família. Morador do Catete, contrariou a vontade do pai
e do irmão mais velho — botafoguenses convictos — e se tornou vascaíno. Sonhava
em ser jogador de futebol.
Mas a carreira esportiva logo foi esquecida, quando Chico
passou em testes para ser locutor e ator da Rádio Guanabara. Ele ficou em
segundo lugar, perdendo apenas para Silvio Santos.
Nos anos 50, também trabalhou nas rádios Mayrink Veiga,
Clube de Pernambuco e Clube do Brasil. Foi na primeira que criou o programa que
se tornaria um de seus maiores sucessos, "Escolinha do Professor
Raymundo", inicialmente composta por três alunos: Afrânio Rodrigues (o que
sabia tudo), João Fernandes (o que não sabia nada) e Zé Trindade (o que
embromava o professor).
Apesar da tentativa de se tornar um galã de radionovelas,
sua veia humorística se destacava desde o início. “A rádio Guanabara descobriu
meu jeito para imitar vozes. Neste dia perdi minha chance de ser um Tarcísio
Meira”, contou o comediante em seu site. Foi assim que começou a compor os mais
de 70 tipos cômicos que marcariam sua carreira.
Casamentos e filhos
O primeiro de seus casamentos foi aos 22 anos, com a atriz Nancy
Wanderley. Depois foi a vez de Rose Rondelli. Sobre a união com a cantora e
ex-frenética Regina Chaves, dizia mal se lembrar. Já com Alcione Mazzeo, rompeu
a relação por conta de um ensaio nu. Mas foi seu matrimônio com a ex-ministra
da Economia do governo Collor, Zélia Cardoso de Mello — com quem teve dois
filhos — que provocou mais polêmica. "Passou a ser uma pessoa de meu
desagrado total. Fui um biombo para ela”, disse Chico à revista “Isto É”, em
outubro de 2000.
Antes, porém, teve seis filhos, entre eles os atores Lug de
Paula (famoso por interpretar o Seu Boneco, da “Escolinha do Professor
Raimundo”), Nizo Neto (o Seu Ptolomeu, do mesmo programa, também dublador)
Bruno Mazzeo (ator e roteirista). Chico também era tio do ator Marcos Palmeira,
filho do cineasta Zelito Vianna, irmão do humorista; e da atriz Maria Maya,
filha de Cininha de Paula, sobrinha do humorista.
Em novembro de 2009 foi agraciado com a Ordem do Mérito
Cultural, a mais alta comenda do governo brasileiro na área. Da vida, dizia levar
apenas um arrependimento: “Me arrependo enormemente de ter fumado durante 40
anos.”
• Chico
Anysio
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