Monsenhor completa 60 anos de sacerdócio
em meio a julgamento por pedofilia
Mariana Lima, enviada especial a Arapiraca
Foto: Mariana Lima / iG Ampliar
Monsenhor Luiz Marques deixa o Juizado nesta terça-feira,
em Arapiraca. Ele pode ter enganado aqui na Terra, mas aos olhos de Deus, nunca
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Quando o monsenhor Luiz Marques Barbosa, de 82 anos, chegou ao Juizado da Infância e da Juventude em Arapiraca, na manhã desta terça-feira, o iG lhe perguntou se ele imaginava que seria assim, no meio de um processo judicial por abuso e exploração sexual de menores, que ele comemoraria seus 60 anos de sacerdócio – celebrados no próximo dia 15.
“Minha filha, agora é só rezar, só rezar. Só peço que rezem”, foi a sua resposta. Depois a porta do gabinete do juiz foi fechada e começou o depoimento do seu ex-advogado, Daniel Fernandes, considerado testemunha-chave pela defesa.
Daniel Fernandes intermediou um acordo financeiro entre o padre e os ex-coroinhas Cícero Flávio Vieira Barbosa, Fabiano Ferreira da Silva e Anderson Farias da Silva, para que os rapazes não divulgassem um vídeo onde o religioso aparece fazendo sexo com Fabiano.
Houve até um inquérito policial para investigar a extorsão, arquivado após constatar que não houve crime, que foi o padre quem ofereceu dinheiro aos rapazes. Após o depoimento, foi solicitada uma diligência pelo atual advogado de defesa do monsenhor, Edson Maia, pedindo gravações que reforçam a tese da extorsão.
Luiz Marques foi o primeiro religioso a ser interrogado, às 14h30, e ficou na sala durante quase três horas. Respondeu a perguntas do juiz, do promotor, dos defensores públicos e de seu próprio advogado. Negou todas as acusações de abuso sexual, mas assumiu que tinha uma atração pelo ex-coroinha Fabiano Ferreira, dizendo, inclusive que tinha medo de se apaixonar pelo rapaz.
O Monsenhor afirmou, no depoimento, que Fabiano era atencioso e atendia bem os serviços da igreja como coroinha, mas o afeto que lhe dedicava era comum a todos os meninos e meninas que eram coroinhas. O rapaz nunca dormiu na Casa Paroquial ou na residência particular do padre, e que nunca houve abuso sexual contra ele, muito menos no altar, como alegado. Em suas palavras, “só se fosse uma pessoa anormal”.
Uma aproximação maior com o rapaz, no que se refere a abraços, só começou a partir de julho de 2007, quando Fabiano completou 18 anos e ganhou um relógio do monsenhor, “para que não chegasse atrasado nos seus compromissos”. Intimidade, mesmo, segundo Luiz Marques, só começou quando o rapaz colocou um filme pornô no computador para que os dois assistissem juntos.
O padre disse, então, que ficou com medo dele mesmo, medo de se apaixonar por Fabiano. Que no dia em que o vídeo foi gravado, o ex-coroinha tinha ido a sua casa com pretexto de olhar o computador. Quando ficaram sozinhos, Fabiano ligou para a “irmã” – na verdade, Cícero Flávio, que gravou o ato –, esperou alguns minutos e entrou no seu quarto completamente despido, jogando-se em cima dele. Os dois se abraçaram e aí o padre perdeu a cabeça.
Aquela teria sido sua primeira relação sexual, afirmou o padre durante o depoimento. Ele disse que sua consciência dói, porque tem um voto de castidade e que, por mais que isso não tire os impulsos carnais, procurava fugir deles através de orações, confissões e sacrifícios que aprendeu como seminarista.
Após o depoimento, Luiz Marques foi para casa – devido à regra da incomunicabilidade dos réus – acompanhado por alguns seguidores fiéis, conquistados durante os quase vinte anos em que ficou à frente da paróquia de São José. Estas pessoas acreditam na palavra do religioso: não houve abuso sexual, apenas um deslize, um pecado do homem, que só cabe a Deus julgar. São os mesmos seguidores que, desde o último dia 15 de julho, estão em uma roda de orações pelos seus 60 anos de sacerdócio e de apoio neste momento de provação que está passando.
Se considerado culpado, monsenhor Luiz Marques pode pegar de quatro a dez anos de prisão, segundo o promotor do caso. Como já tem mais de 80 anos, pode conseguir alguns benefícios baseado no Estatuto do Idoso, mas só terá direito a prisão domiciliar se comprovar ter algum problema de saúde. O veredicto será divulgado em setembro.
Além do processo criminal, ele também enfrenta um processo canônico, a ser julgado pelo Tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé (entidade que evoluiu da Inquisição Medieval), no Vaticano, cuja pena pode chegar ao afastamento completo do estado clerical – a perda da batina.
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